Reclamamos o direito de sermos ouvidos, de sermos consultados e
de sermos esclarecidos sobre os temas que nos dizem respeito, como está
estabelecido na lei
A luta e o martírio Guarani Sepé Tiaraju foram lembrados
nesta terça-feira, dia 7, pelo povo do grande líder. Lideranças Mbya
Guarani do Rio Grande do Sul promoveram um encontro do Conselho de
Articulação do Povo Guarani (CAPG). A reunião refletiu ainda sobre o
contexto sócio-político do país, além dos desafios para a consolidação e
garantia dos direitos indígenas.
Durante o encontro foram aprovados três documentos: um reflete o
contexto geral das lutas do povo Guarani; outros dois mais específicos,
direcionados para a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e
para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Ambos cobram
respeito às legislações e tratados internacionais no tocante ao direito
de consulta prévia, livre e informada. Leia na íntegra o documento final
do encontro:
Documento Final
Conselho de Articulação do Povo Guarani sobre a política indigenista do governo brasileiro
O Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul
(CAPG), em reunião realizada nos dias 06 e 07 de fevereiro de 2017, na
Terra Indígena Coxilha da Cruz Sul com a participação de lideranças
Guarani Mbya do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e Sul do Paraná,
vem a público manifestar suas preocupações com a política indigenista do
governo brasileiro.
As informações que estão sendo divulgadas pela
imprensa nos fazem pensar que o presidente da República
quer anular todas as nossas garantias e salvaguardas constitucionais
relativas ao direito à terra, ao seu usufruto exclusivo pelas nossas
comunidades, além do direito de consulta prévia, livre e informada
quando o assunto nos afeta direta ou indiretamente.
As notícias que temos escutado, sobre as escolhas, as ações e os
interesses do atual governo nos levam a concluir que, no âmbito da
questão indígena, vão tentar tornar letra morta os artigos 231 e 232 da
Constituição Federal, que garantem, como direito fundamental, a
demarcação de todas as nossas terras e a garantia de usufruto exclusivo
para nossos povos. Esses artigos também estabelecem que as terras são
inalienáveis, indisponíveis e que os nossos direitos sobre elas são
imprescritíveis (Art. 231, Parágrafo 4 da CF).
O governo, através do Ministro da Justiça, editou a Portaria 80/2017
com a qual cria um grupo de trabalho para ajudá-lo a tomar as decisões
que afetam nosso direito à terra. Essa portaria desrespeita as normas
constitucionais porque transfere a um grupo de pessoas a opinião e
decisão final sobre a demarcação de qualquer terra indígena, função que é
do órgão indigenista oficial-Funai- e que segue regras estabelecidas
pelo decreto 1775/1996 e pela Portaria 14/1996. A portaria desqualifica a
Funai retira dela, de forma ilegítima, a responsabilidade de realizar
estudos de identificação e delimitação das nossas terras. A portaria
80/2017 é ilegal porque foi editada sem nos consultarem e passando por
cima de todas as normas jurídicas, inclusive as internacionais, a
exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho,
ratificada pelo Brasil.

Reclamamos o direito de sermos ouvidos, de sermos consultados e de
sermos esclarecidos sobre os temas que nos dizem respeito, como está
estabelecido na lei. Nos últimos tempos, temos recebido notícias de
mudanças nos órgãos que nos prestam assistência, onde colocam e retiram
pessoas sem nos ouvir, bem como apresentam propostas de alteração no
modo como nossas terras serão demarcadas e reconhecidas, mudanças nas
leis, e tudo isso afeta diretamente a nossa vida, mas acima de tudo, o
fato é que nunca somos consultados.
Querem, mesmo na ilegalidade, estabelecer que as terras demarcadas ao
longo de décadas passem por um processo de revisão e modificação de
limites; pretendem anular os procedimentos de demarcações que estão
sendo realizados; visam impedir que novas terras venham a ser
demarcadas; querem impor na sistemática de demarcação critérios que
inviabilizam o nosso direito, como é o caso do chamado “marco temporal
da Constituição Federal de 1988”, onde, segundo esse argumento, nossos
povos não teriam direito se não estavam vivendo sobre as terras
reivindicadas na data de 05 de outubro de 1988.
Na prática, estão querendo dizer que os povos indígenas deixaram de
existir a partir do ano de 1988, embora nossos povos habitem essas
terras muito antes dos juruá chegarem. Aliás, outras Constituições
feitas no Brasil reconheciam nosso direito à terra, antes do ano de
1988, por isso, para nós, esse marco não pode ser considerado para a
definição de nosso direito.
Nós resistimos ao extermínio, enfrentamos as guerras de exércitos
contra o nosso povo, e aqui queremos lembrar Sepé Tiaraju e todos os
Guarani que com ele lutaram para mostrar que “esta terra tem dono”. Nós
lutaremos com coragem, porque acreditamos que um dia haverá justiça. E
vamos continuar acreditando, apesar das decisões do atual governo serem
contrárias aos direitos de nossos Povos, numa evidente manifestação de
que para este governo os indígenas são insignificantes.
Nós acreditamos na força de nosso povo. Nós homens, mulheres e
crianças seguimos, caminhando e acreditando num futuro com justiça, com
terra demarcada e liberdade. Confiamos em nossos Karaí e Kunhã-Karaí,
nossos velhos que orientam e alimentam a nossa esperança. Vamos seguir,
sempre, amparados pelos nossos costumes, crenças, tradições e pelos
ensinamentos de nossos ancestrais. Nossa luta é por justiça e a justiça
só pode acontecer quando todas as nossas terras forem respeitadas.
Coxilha da Cruz, dia de Sepé Tiaraju, 07 de fevereiro de 2017.
Fonte: Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG)