Centenas
de milhares deles não viram nada. Não conseguiram ver o Papa, nem
sequer de longe, nem sequer em um dos raros telões. Participaram de
todos os eventos da Jornada Mundial da Juventude, talvez em setores
muito distantes dos palcos, conseguindo apenas escutar os cânticos, as
orações e a voz de Bergoglio (Papa Francisco). E tudo isto após ter
viajado o dia todo ou mais de ônibus. Por que estão aqui?
Por que
dedicaram tanto tempo e energias a um encontro como este? Não, não é a
geração do "sofá”, costume que talvez fique melhor para seus pais. São
jovens de todo o mundo que acreditam, apesar de tudo. Que não se deixam
embasbacar pelos ídolos de um consumismo que os escraviza e que é muito
cômodo para os poderosos. Não se rendem ao confronto de civilizações,
nem ao ódio e nem à violência cega, apesar de tudo.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 31-07-2016. A tradução é do Cepat.
A
Jornada Mundial da Juventude que foi realizada no coração da Europa
centro-oriental foi marcada pelos fatos terríveis que aconteceram em
Nice, em Munique, em Ruan. O terrorismo fundamentalista de matriz
islâmica, o dos massacres, dos carros-bomba, dos kamikazes jihadistas,
da violência cega, dos grupos armados até os dentes e cheios de dinheiro
graças à ajuda dos países considerados os melhores aliados do Ocidente,
entrou em nossas vidas. Enquanto era só imagens na televisão, com
milhares de corpos de crianças, mulheres, jovens e anciãos inocentes
destroçados nos atentados diários em Cabul, Bagdá..., enquanto se
tratava somente das perseguições e dos massacres que aconteciam na
Nigéria ou no Paquistão, parecia que não tinham nada a ver conosco.
Agora, no mundo onde regia a "globalização da indiferença”, há pessoas
que pressionam para globalizar o ódio, o fechamento, os muros.
Exatamente
aquilo que os terroristas do Daesh, seus filiados e "fãs” desejavam:
semear o terror e o medo, fazer acreditar que estamos à beira do Juízo
Final, do enfrentamento final entre a civilização cristã ocidental e o
Islã. E alimentam esta fábula, contada interessadamente pelos que
necessitam desesperadamente fechar as filas do Islã sunita contra o
inimigo "cruzado”, os chamados às armas por intelectuais e comentadores
que reduziram o cristianismo a uma ideologia identitária. O papa
Francisco, com coragem e determinação, recordou que aquilo que o mundo
está vivendo é uma terceira guerra mundial "em pedaços”, mas recordou
com todas as suas letras que não se trata de uma guerra de religião.
Eventualmente, poderia ser uma guerra dentro de uma religião, como
demonstra o fato de que a maior parte das vítimas dos jihadistas são
inocentes muçulmanos. Mas, trata-se, principalmente, de uma guerra por
dinheiro, por interesses, pelo domínio sobre os povos.
Seja
qual for a natureza deste conflito, o papa não pode prescindir do
Evangelho. E para considerá-lo em sincronia com as exigências da guerra
de religião, de uma resposta dura contra o islã (muitos gostariam que
fosse assim), não se pode esquecer o magistério de seus dois imediatos
predecessores. É preciso fingir que seus dois predecessores imediatos
não existiram. É necessário construir uma imagem falsa e enganosa.
Acusa-se Francisco de não ter se lançado contra o islã publicamente, em
seus comentários, após os atentados. Na Polônia, a terra de São João
Paulo II, como se pode esquecer que nunca (nem sequer após o dia 11 de
setembro) atacou o Islã? E a todos os exegetas do discurso de Bento XVI,
em Regensburg, apresentado hoje como um grito de batalha, seria
necessário lhes recordar que aquela lição acadêmica não foi pronunciada
após algum atentado e que seu núcleo não era a violência muçulmana, mas,
ao contrário, uma crítica ao Ocidente, que esqueceu suas raízes e que
considera que as religiões são subculturas. O papa Ratzinger nunca se
referiu ao Islã quando se pronunciou sobre atentados jihadistas.
Envolver Wojtyla e Ratzinger contra Francisco na guerra santa é procurar
três pés em um gato, e mais, trata-se de uma operação pouco
transparente. E só é possível colocando a realidade entre parênteses ou
em uma nota de rodapé.
"Nós não gritaremos, agora, contra
ninguém, não brigaremos, não queremos destruir. Nós não queremos vencer o
ódio com mais ódio, vencer a violência com mais violência, vencer o
terror com mais terror”, disse Francisco aos jovens, durante a vigília
da Jornada Mundial da Juventude. Porque "nossa resposta a este mundo em
guerra tem um nome: se chama fraternidade, se chama irmandade, se chama
comunhão, se chama família”. A verdadeira luta "anti-jihad” são essas
milhões de mãos jovens de todo o mundo entrelaçadas, sua silenciosa
oração. A única reação cristã frente à violência. A única maneira
evangélica de honrar o sangue dos mártires de nosso tempo.
Fonte: Pontifícias Obras Missionárias
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